Às vésperas da Páscoa e tantos ovos de chocolate,
literalmente sobre a minha cabeça, durante as idas ao supermercado, lembrei-me das comemorações da semana da Páscoa...
Na
minha infância, imaginava que todo o mundo era igual aos moradores do nosso
bairro e aos fiéis da Igreja São José do Ipiranga, na cidade de São Paulo. Deve ser por isso que a
gente cresce: para nossa alma expandida caber dentro de nós e para podermos
abarcar outras experiências diversas das nossas.
Na quinta-feira, retomava-se o Lava Pés, no qual Jesus se ajoelha para todos os apóstolos inclusive frente ao malvado traidor Judas... Como se não bastasse, o velhinho, doce e bondoso Padre Dante tinha de fazê-lo também frente aos jovens da turma da Legião de Maria que representavam os apóstolos naquelas ocasiões...
Tudo aquilo era muito forte para mim que era uma criança muito religiosa e sensível... E havia a Procissão da Sexta-Feira da Paixão... E tome maus-tratos em Jesus que era de dar pena... E eu sofria com cada chicotada, com cada ferida do Filho de Deus... Mas minha alma de poetisa se deliciava com o cântico da Verônica que podia chegar perto de Cristo e fotografar sua face com o pano sagrado.
Lembro-me da Páscoa de minha infância como uma grande oportunidade de me sentir adulta, acordando antes do sol nascer para ir à procissão da Igreja São José do Ipiranga, na minha amada cidade, quando ainda não era uma megalópole.
Na quinta-feira, retomava-se o Lava Pés, no qual Jesus se ajoelha para todos os apóstolos inclusive frente ao malvado traidor Judas... Como se não bastasse, o velhinho, doce e bondoso Padre Dante tinha de fazê-lo também frente aos jovens da turma da Legião de Maria que representavam os apóstolos naquelas ocasiões...
Tudo aquilo era muito forte para mim que era uma criança muito religiosa e sensível... E havia a Procissão da Sexta-Feira da Paixão... E tome maus-tratos em Jesus que era de dar pena... E eu sofria com cada chicotada, com cada ferida do Filho de Deus... Mas minha alma de poetisa se deliciava com o cântico da Verônica que podia chegar perto de Cristo e fotografar sua face com o pano sagrado.
Lembro-me da Páscoa de minha infância como uma grande oportunidade de me sentir adulta, acordando antes do sol nascer para ir à procissão da Igreja São José do Ipiranga, na minha amada cidade, quando ainda não era uma megalópole.
Na chamada Procissão do Encontro, podia carregar uma
vela acesa durante o longo percurso. O papel de celofane colorido que envolvia
a vela era um grande atrativo para mim.
Nessas ocasiões, minha mãe usava uma mantilha de renda preta e eu uma mantilha de renda branca: linda, lindíssima!
À época para comungarmos na missa da manhã, deveríamos fazer jejum desde a noite anterior.
A saída da missa era gloriosa...
Nessas ocasiões, minha mãe usava uma mantilha de renda preta e eu uma mantilha de renda branca: linda, lindíssima!
À época para comungarmos na missa da manhã, deveríamos fazer jejum desde a noite anterior.
A saída da missa era gloriosa...
Pois um ovo de Páscoa me esperava, em casa, que ao
chegar cheirava café feito em coador de tecido.
Alguns familiares que não gostavam da procissão e sim de dormir um pouco mais ou de levantar cedo e permanecer em casa para preparar os assados e as massas para o almoço, deixavam a mesa posta para nós que havíamos madrugado.
Servia-me só de leite... Nem pão, nem manteiga ou bolacha para quebrar o jejum.
No leite, eu colocava um pedaço bem grande de chocolate que destacava do ovo, tornando a vesti-lo, em seguida, com sua armação de plástico, seu papel laminado e seu papel celofane com desenhos de coelhinhos. Era uma maneira de recompô-lo e de poder pensar que ainda estava inteiro até a sobremesa do almoço de Páscoa, não me esquecendo de guardar para levar de lanche para a escola na segunda-feira, que era o dia chamado de "Pasquela".
Alguém de baby doll de nylon e chinelos de cetim bordado com lantejoulas e miçangas, bisbilhotava meu desjejum:
‒ Puxa, que gulosa, sua carola!
‒ Olha lá quem fala! Sua turista da missa das dez!
A carola e a turista cresceram e escolheram lindas profissões: uma a de educadora e a outra de assistente social. Ambas leram Buber e uma amou o Encontro buberiano e outra o pensamento dialógico e a Utopia (mais do que amavam os Beatles e os Roling Stones). Ambas lutaram (como puderam) por um país com menos desigualdades sociais.
Uma adoeceu com dignidade e foi chamada, relativamente cedo, para ver a face de Cristo no pano sagrado de Verônica e ouvi-la cantar para Ele todo dia (além de participar das rodas de samba celestes, ir aos novos shows da Elis Regina e de Vinícius de Moraes).
A outra permaneceu... Certa de que todo dia pode ser
uma oportunidade de organizar uma procissão (ou passeata) pelo encontro. Crente
de que em todos os dias pode-se ressurgir, renovando a própria capacidade de
expandir-se e de compartilhar alteridade. Ciente de que a grande efeméride
nunca é hegemônica e sempre é crítica e reflexiva. Pois
a grande efeméride somos nós... Em humanidade e fraternidade... A efeméride que
merece ser comemorada e até ser objeto de tarefa para inocentes criancinhas
somos nós: gente de todas as idades, gente plena de pluralidade. Gente que
cultiva a esperança de que "amanhã será outro dia... Apesar de
você"... Representante instituído que – para mostrar serviço – cria
Projeto de Lei que leva seu nome... E propõe mais uma data de caráter
hegemônico ou populista. Alguns familiares que não gostavam da procissão e sim de dormir um pouco mais ou de levantar cedo e permanecer em casa para preparar os assados e as massas para o almoço, deixavam a mesa posta para nós que havíamos madrugado.
Servia-me só de leite... Nem pão, nem manteiga ou bolacha para quebrar o jejum.
No leite, eu colocava um pedaço bem grande de chocolate que destacava do ovo, tornando a vesti-lo, em seguida, com sua armação de plástico, seu papel laminado e seu papel celofane com desenhos de coelhinhos. Era uma maneira de recompô-lo e de poder pensar que ainda estava inteiro até a sobremesa do almoço de Páscoa, não me esquecendo de guardar para levar de lanche para a escola na segunda-feira, que era o dia chamado de "Pasquela".
Alguém de baby doll de nylon e chinelos de cetim bordado com lantejoulas e miçangas, bisbilhotava meu desjejum:
‒ Puxa, que gulosa, sua carola!
‒ Olha lá quem fala! Sua turista da missa das dez!
A carola e a turista cresceram e escolheram lindas profissões: uma a de educadora e a outra de assistente social. Ambas leram Buber e uma amou o Encontro buberiano e outra o pensamento dialógico e a Utopia (mais do que amavam os Beatles e os Roling Stones). Ambas lutaram (como puderam) por um país com menos desigualdades sociais.
Uma adoeceu com dignidade e foi chamada, relativamente cedo, para ver a face de Cristo no pano sagrado de Verônica e ouvi-la cantar para Ele todo dia (além de participar das rodas de samba celestes, ir aos novos shows da Elis Regina e de Vinícius de Moraes).
Apesar
de você, em seu estado de ser tipo brother, a outra envelhece, com serenidade,
lembrando-se da mãe de mantilha preta ou com os cabelos ao vento, da irmã
assistente social lendo Buber, dos versos de Chico Buarque, dos poemas do João
Cabral de Melo Neto, do poder em longo prazo das passeatas pacíficas, do poder
pessoal de estar com todos os ideais em dia, da intenção de negar a pedagogia
do sofrimento e da exclusão, para firmar votos pela fraternidade, pela empatia
e pela compaixão.
MEROLA, Edna Domenica. De que são feitas as Histórias. Postmix. 2014. P. 25-27.
MEROLA, Edna Domenica. De que são feitas as Histórias. Postmix. 2014. P. 25-27.