Nas
tardes de sábados, na casa dos meus pais tinha sessão de música. Minha prima e
dois colegas do conservatório tocavam acordeão. Os amigos chamavam-se Luís. Um
tinha sobrenome português e o outro espanhol. Os instrumentos musicais dos três
eram do tipo super sexta e tinham sido importados da Itália.
Quando
tocavam Granada, chamavam-me para cantar, já que eu era criança e alcançava
alguns sons agudos que havia naquela partitura.
A
prima e os Luíses receberam o diploma de instrumentistas juntos, mas a vida os
levou para lugares sociais diferentes. O Luís descendente de espanhóis
tornou-se um importante advogado na cidade do Rio de Janeiro. A prima, uma
empresária do ramo da educação. O Luís de descendência lusitana seguiu em
empregos de contabilidade.
Os
acordeões ou sanfonas não fizeram parte de outras fases de minha vida, mas os
acordes do trio impregnaram minha alma. Com a minha admissão enquanto
participante privilegiada do público das audições do sábado e, principalmente,
com a minha promoção a vocalista do conjunto, os três deixaram-me igual e
enorme herança: o gosto pela musicalidade.
Na
maturidade, após a impossibilidade de cantar Granada, tal gosto se manifesta na
premência de escrever versos livres e sonetos e ainda textos em prosa do tipo
colagem com citações de versos musicados por compositores populares.
Aos
três vai a minha: gra-ti-dão, assim cantada: “mi, lá, sol”.
Deixaram-me
o gosto pelos saraus e a noção de que a transmissão é prioritariamente
inter geracional e que todos são importantes nas experiências coletivas, até o
menor ou o mais agudo dos seres.
Ensinaram-me
que quem fala mais grosso é o tenor, mas que ele não é o dono da harmonia. É
ela comunhão, simplicidade, singeleza, parceria, integração.