terça-feira, 11 de março de 2025

Crônica de Edna Domenica " Se não sabes onde vais, eu não te acompanho mais"

 

Hoje assisti a um filme num grupo 60 +. Na recepção da plateia em pauta, os temas seriam a homo afetividade e o machismo. 

Para o público presente, o tema da violência foi naturalizado. O fato de sexo e violência comparecem em cenas imediatamente consecutivas parece não ter importado. O que ressaltou aos olhos dos experientes espectadores foi que o sexo era entre dois homens. 

Penso que o filme critica, com muita exatidão, a cultura estadunidense: o uso abusivo do álcool, a lei regida por um xerife pronto para puxar o gatilho e que anda a cavalo no deserto...

Refiro ao filme de 32 minutos "Estranha forma de vida", classificado como "drama de faroeste", à revelia de que grande parte das cenas se passa entre quatro paredes, em que sobressaem as respectivas decorações e o figurino dos personagens.

Os protagonistas são os caubóis e ex-pistoleiros de aluguel: dois homens que se reencontram vinte e cinco anos após terem vivido um breve romanceSilva, interpretado por Pedro Pascal, e Jake por Ethan Hawke. 

Almadóvar é conhecido por utilizar cores berrantes em seus filmes: vermelho, verde, azul, amarelo. No filme em pauta, meu destaque vai para o personagem Silva nas cenas em que usa uma jaqueta verde. 

Entre matar ou morrer por amor, o personagem mais jovem da dupla mostra uma terceira via, não totalmente isenta de violência, mas sem ataque à vida. Nas palavras de Freud, opta por Eros, em detrimento a Tânatos.

E em Eros está o "cuidar do outro": marca do início da civilização na noite dos tempos.

Ora, cuidar do outro implica assistir a velhice (camada improdutiva da sociedade). 

É possível pensar nisso sem pensar a organização política da sociedade?

No debate, tentaram me mandar calar a boca, quando reforcei a fala de alguém sobre aspectos da esfera sócio política. Então, de bom grado, cedi meu lugar de fala ao Freud para explicar...  Afinal, ele é mais velho do que eu, merece prioridade!


 ADENDO "Um resgate à tentativa de sequestro da palavra"


Almodóvar, usa bricolagem em sua criação "Estranha forma de vida" e a "coleta" inicial é o fado cantado pelo brasileiro Caetano Veloso (com sotaque português). O faroeste é outro material que comparece trazendo não só o estadunidense, mas também o italiano.  Vale enfatizar que os protagonistas são dois homens brancos.
A questão da mulher que é tachada de "prostituta" depois do feminicídio é também outro elemento que aponta para uma Europa que se torna cada vez mais conservadora, nos últimos anos. 
Concordo que são tantas as possibilidades quantos foram os olhares dispostos a compartilhá-los. Infelizmente, o debate aconteceu num auditório em que uma mulher se imbuiu do direito de mandar calar uma voz de outra mulher idosa (no caso a minha).

A crônica " Se não sabes onde vais, eu não te acompanho mais" foi meu registro para ressignificar uma manhã que poderia ter sido boa, numa plateia de maioria feminina.

Anexo - Letra da música Estranha forma de vida 

Performance da abertura da produção do filme

 

Foi por vontade de Deus

Que eu vivo nesta ansiedade

Que todos os ais são meus

Que é toda minha a saudade

Foi por vontade de Deus

Que estranha forma de vida

Tem este meu coração

Vives de forma perdida

Quem lhe daria o condão?

Que estranha forma de vida

Coração independente

Coração que não comando

Vives perdido entre a gente

Teimosamente sangrando

Coração independente

E eu não te acompanho mais

Para deixa de bater

Se não sabes onde vais

Porque teimas em correr

Eu não te acompanho mais

Se não sabes onde vais

Para deixar de bater

Eu não te acompanho mais

 

Compositores: Alfredo Rodrigo Duarte / Amalia da Piedade Rodrigues

Fonte da Letra de Estranha forma de vida© Universal Music Publishing Group

 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

A Síndica sem noção. Edna Domenica.



A Síndica Sem Noção é profissional. Quer dizer apenas que não é condômina e recebe um salário. Acabou de fazer um estágio aligeirado onde aprendeu a ter fala mansa e dissimulada. Dá cada desculpa esfarrapada que ninguém que pague o condomínio regularmente merece.

Mas o pior de tudo é que pratica o falso testemunho e faz intrigas entre moradores e funcionários para se isentar de apresentar soluções aos problemas corriqueiros do condomínio. Persegue mulheres divorciadas. Pratica racismo. Mas o mais inusitado foi como ela entrou em campo no caso do funcionário que pisou na bola contra uma condômina idosa e com problemas de mobilidade.

Há em cada bloco, um local onde o lixo é depositado pelos próprios moradores. O acesso, é portanto, livre aos condôminos, mas fica próximo da saída de serviço.

No segundo mês do ano, a administradora já dispensara (ou perdera) um zelador e contratou uma pessoa com necessidade de atendimento psiquiátrico.

Devido a seu comprometimento psíquico entendeu que devia disciplinar uma idosa impedindo-a de se dirigir ao estacionamento de seu carro e aproveitar a saída de serviço para jogar o lixo como fazem todos os moradores, há anos seguidos.

O zelador tentou impedi-la com seu corpo, tentando dar-lhe uma rasteira. Felizmente, a senhora usou a bengala para detê-lo. Como conseguiu? Instinto de sobrevivência ou graças aos exercícios que faz duas vezes por semana na Hidroginástica da Universidade?

Ele reclamou bem alto, como menino que grita no jogo de futebol porque perdeu o lance.

- Coitado! - disse a síndica ao saber do ocorrido. Perder o lance para uma idosa manca! Deprimente!





Edna Domenica 

Paulistana, bacharel em Letras (USP), pedagoga, psicóloga, psicodramatista (IBP, FEBRAP) e especialista em atenção à saúde da pessoa idosa (UFSC).



Desenvolveu pesquisa sobre Psicodrama e suas aplicações em oficinas de escrita criativa, parcialmente publicadas em Aquecendo a produção na sala de aula (Nativa, 2001),  De que são feitas as histórias? (Postmix, 2014), Relógio de Memórias (Postmix, 2017). 

É autora de A volta do Contador de Histórias ( Nova Letra, 2011), No Ano do dragão ( Postmix, 2012), As Marias de San Gennaro (Insular, 2019), O Setênio (Tão Livros, 2024).






 




quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Águeda Wendhausen editora poema de A. C. Tatalo Fernandes, Edna Merola, Eduardo Martínez, Gilberto Motta, Léa Silva, Rosilene Souza,Taís Palhares

           

Acervo Merola

 De que você gosta?

  

De histórias, músicas (Azaleia)

dos meus ancestrais. (Azaleia)

De ler um bom livro, (Azaleia)

De ser grata (Azaleia)

Gosto de dormir com as galinhas e acordar com os galos. (Gilberto)

de Deus (Azaleia)

Gosto também de quiabo, jaca e jiló. (Gilberto)

Gosto de receber a Lua e o Sol a cada segundo. (Gilberto)

 

Gosto de rever amigos (Azaleia)

Gosto de saber que tudo é finito, pois me dá a noção maior de tudo que vivemos       em paz. (Gilberto)

E gosto de vocês. (Gilberto)

 

Eu gosto do seu rosto ao vento exposto ao ar. (Tatalo)

Lá está você respirando levemente. (Tatalo)

Vejo na cena a respiração profunda e a tranquilidade. (Tatalo)

Atinge as profundezas com leveza. (Tatalo)

Seus olhos semicerrados lhe impingem um ar de seriedade. (Tatalo)

e procuro pelo seu ponto focal no ar. (Tatalo)

Afago seu dorso com meus lábios (Tatalo)

Sem satisfações a dar. (Tatalo)

 

Venho por trás e a abraço. (Tatalo)

Definitivamente, (Edna)

               Gosto. (Edna)

 

  Gosto (Rosilene)

Do folhe(ar) da imagin-ação (Rosilene)

Do despert(ar) da cri-ação (Rosilene)

  em uma t(ar)de de verão. (Rosilene)

da melodia em moviment-ação (Rosilene)

 Gosto do cheiro da chuva (Rosilene)

        a seme(ar)realiz-ações (Rosilene)

Da ilusão do amanhã (Rosilene)

                Sem satisfações a dar. (Tatalo)

 

De ler em frente à praia, (Edu)

 

De vez em quando, me perco no doce timbre da sua voz. (Edu)

Gosto de ouvir a Dona Irene lendo. (Edu)

Hum... Gosto de praia, (Edu)

de ler tomando café. (Edu)

De ler sei que gosto, muito mais do que de tantas coisas. (Edu)

de tomar café, (Edu)

Ah, também gosto de melancia e sorvete de morango. (Edu)

 

Gosto de ler, de praia, de café, da voz da minha mulher... (Edu)

    a distribu(ir) ondul-ações. (Rosilene)

Conversar, (Tais)

Gosto de escutar (Azaleia) 

De ver o sol nascer e se deitar. (Tais)

  Dançar... (Tais)

Ouvir música, (Tais)

Gosto do barulho do mar. (Tais)

De sorrir e as vezes chorar, (Tais)

Estar entre amigos, (Tais)

Gosto de ouvir pessoas (Tais)

Rumo a pessoas, (Edna)

Sem iludir você (Edna)

 

Gosto de um gostar (Edna)

Afetivamente (Edna)

Retórica artística confessa (Edna) 

 

Gosto de livros (Edna)

Que afagam a escrita (Edna)

Que impregnam o ar (Edna)

De um jeito professoral. (Edna)


Águeda Lenita Wendhausen é doutora em Saúde Pública. Professora/coordenadora universitária aposentada. Manezinha (SC). 


Antonio Carlos (Tatalo) Fernandes, professor titular convidado da COPPE/UFRJ de engenharia naval e oceânica. Foi membro do GTP (Grupo Teatral Politécnico da USP). No Rio, fez curso de dança de salão com Jaime Aroxa e de declamador de poesia com Elisa Lucinda. Participa da Tertúlia Poética e dos curso de Claudio Carvalho. Participa do livro publicado “Ninguém Escreve por Mim” organizado pelo último e editado por Cassiano Silveira.

 Edna Domenica 

Paulistana, desenvolveu pesquisa sobre Psicodrama e suas aplicações em oficinas de escrita criativa, parcialmente publicadas em Aquecendo a produção na sala de aula (Nativa, 2001). É autora de A volta do Contador de Histórias ( Nova Letra, 2011), No Ano do dragão ( Postmix, 2012), As Marias de San Gennaro (Insular, 2019), O Setênio (Tão Livros, 2024).

Eduardo Martínez

Carioca, bacharel em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. É autor de quatro livros (Despido de ilusões, Meu melhor amigo e eu, Raquel, e o recente Contos e crônicas por um autor muito velho; além de dezenas de coletâneas. Escreve diariamente para o site de notícias Notibras. 

Gilberto Motta: circense, jornalista, professor-mestre e aprendiz da vida. Rodou mundos e hoje escreve em paz em um chalé na Guarda do Embaú SC.

 Azaleia ou Soulea (Léa Palmira e Silva) é manezinha (nasceu na capital de SC). Em 2013, participou do concurso de Narrativas e Poesias do Sindprevs/SC e, em 2018, do Concurso Literário da Academia Criciumense de letras -ACL.

Fez o curso de Contadores de Histórias no Neti, em 2001, Oficina de Teatro da terceira idade do Neti -UFSC . E Oficina de Escrita Criativa com a Professora Edna no Neti/UFSC.

Foi integrante da ABCH de 2015 a 2023 . E da ACONTHIF desde 2001. Participa do Projeto anti-racista Retintas 1 e 2 com poemas. 

 Rosilene Souza 

Mineira, desenvolve pesquisa nas linguagens artísticas: colagem, escrita criativa, fotografia e deficiência visual. Investiga o excesso de imagens e escritas consumidas e produzidas na sociedade. Participa de exposições, feiras e mostras de Arte. Tem trabalhos artísticos e literários publicados em revistas, livros (coletâneas "Do corpo ao corpus, organização Edna Merola, 2022", "Ninguém escreve por mim, organização Claudio Carvalho, 2024"; catálogos e blogs. Contos e ilustrações publicados pelo Café Literário no Notibras (2025). 

Taís Palhares

Paulistana, participou do Ateliê de Escrita da Biblioteca do CIC - Floripa, SC - em 2019. É leitora de ficção que sabe o que quer. Participou do Café Literário com os títulos: Daqueles tempos distantes como "Baby, eu sei que é assim" e "Do interior para a senzala da cidade... e um bebê do patrão".