sexta-feira, 14 de março de 2014

Ora (direis), analisar estrelas... Edna Domenica Merola

"Ora (direis) ouvir estrelas!" é expressão poética consagrada na estética do Parnasianismo pelo poeta Olavo Bilac. Destaca o uso da figura de linguagem chamada sinestesia que é o cruzamento dos sentidos e a qualidade de um sentido atribuído a outro que torna mais rica a poesia.
"Ora (direis) analisar estrelas!" é expressão em paródia que coloco para enunciar outra vertente de trabalho intelectual que me atrai além do estudo da literatura. A outra vertente é o estudo sobre gerontologia.
Em 08/3/2014, tive o grato prazer de assistir a aula da Disciplina Gerontologia I, ministrada no curso de Especialização promovido pela UFSC, subvencionado pelo Ministério da Saúde, a saber: Atenção à Saúde da Pessoa Idosa.
Na referida aula, tive a oportunidade de analisar a figura de uma estrela que representa o estilo de vida adotado para aperfeiçoar sua qualidade:

Essa figura pretende representar um todo em processo. A leitura 'pontual' dessa representação pode desconectar as partes e 'desconfigurar' o todo. O modelo de pensamento analítico é o de corte ou cisão. Ao olhar uma reta representativa temos a tendência de entender que no alto ou à esquerda está o início e abaixo ou à direita está o término. Assim seria representado o par causa e efeito: a causa à esquerda e o efeito à direita ou a causa acima e o efeito abaixo.
Opto por uma leitura em que os 5 aspectos relacionados a um bom estilo de Qualidade de Vida, na representação da Estrela de 5 pontas, coloca cada 1 deles apontando para 2 outros. E como trajetória inversa: 2 pontos diferentes marcam o início de 2 retas que se encontram, num terceiro ponto.  Pensando em 2 pontos: o primeiro à esquerda da estrela e o segundo ao alto dessa figura teremos 2 exemplos de interseções.
Por exemplo, se tomarmos trabalho como ponto de saída, teremos como final da primeira linha o conhecimento, e como final da segunda linha a família. E como trajetória inversa: conhecimento e família apontam para trabalho.
Em outro exemplo, se tomarmos saúde como ponto de saída, teremos como final da primeira linha a espiritualidade, e como final da segunda linha a família. E como trajetória inversa: espiritualidade e família apontam para saúde.
Os pontos de partida em espelho (aos olhos ocidentais) são os da direita e abaixo.
Tomemos, na lateral direita,  o conhecimento como ponto de partida; ele se dirige  em suas duas pontas ao trabalho e  à espiritualidade. E como trajetória inversa: espiritualidade e trabalho apontam para conhecimento.
Debaixo à esquerda temos como ponto inicial: a espiritualidade, e como final da primeira linha a saúde, e como final da segunda linha o conhecimento. E como trajetória inversa: conhecimento e saúde apontam para espiritualidade.
Debaixo à direita, temos como ponto de partida a família, e como final da linha à esquerda daquele ponto o trabalho, e como final da linha  à direita a saúde. E como trajetória inversa: saúde e trabalho apontam para família.

Essas interseções triangulares que caminham em sentido 'ida e volta' (conforme descrito) são oportunas para o estágio de problematização na análise da realidade local. Há de se identificar, numa amostragem ou numa comunidade, as avaliações de cada um dos 5 aspectos em suas diversas interseções angulares. A leitura desses imbricamentos ajudará  na compreensão dos determinantes da qualidade de vida dos agrupamentos de indivíduos estudados.

Após a problematização, conta-se com o sonho e a utopia... 'Ouvir estrelas' serve a poetas e a cientistas também. Ajusta-se aos que contam com o aflorar do pensamento intuitivo nos momentos em que projetamos o atendimento de novas demandas da realidade... TRATA-SE DE UMA ANÁLISE IDEOLÓGICA. Vejamos:
O que é. Pauta-se na concepção da realidade social da qual o método de captação é decorrente. O critério da ideologia é seu caráter justificador de posições sociais vantajosas (encara a realidade como gostaria que ela fosse).
Características: – Critérios de qualidade formal não bastam, quando não se coloca problema de importância para a sociedade.
Qualidade Política coloca a questão dos fins, dos conteúdos, da prática histórica.
– Fenômeno Participativo: felicidade, democracia, identidade cultural, prática cotidiana, cidadania, e todas as necessidades humanas (se aceitarmos o homem como totalidade, e não arranjo de pedaços.).
– Discutibilidade: somente pode ser científico, o que for discutível. (Processo dialético).
– O discurso deve ser inteligível, lógico, bem sistematizado, competente em termos instrumentais; deve levar ao aumento do nível de compreensão da realidade.
– As Ciências Sociais devem assomar como diálogo. Não separam discurso e prática. O estudo de problemas para encontrar soluções.
Etapas de Realização. Problematização da realidade. Diálogo: é uma fala contrária entre dois atores que se comunicam e se confrontam. Estudo de problema. Solução do problema: Construção da Realidade.
Cuidados na aplicação:
A análise ideológica não pode ser somente um método de crítica ao objetivismo empirista (crê que se impõe ao objeto), oferecendo o risco da visão humanista ingênua sobre a experiência vivida e da reivindicação dos direitos à subjetividade (relativismo subjetivista que inventa a realidade).
– Tensão dialética entre teoria e prática: toda prática ‘trai’ a teoria; a teoria tende a ser absolutizante.
– Quanto mais fechada for uma teoria, mais imagina explicar.
– Há tentativas de perenização do status quo e cultivo obsessivo da contestação. Sociedade é a inquietação na turbina da história.
– Crítica é a necessidade histórico-cultural de alternativas
– Utopia; proposta perfeita de descoberta da realidade.
Indicação (Uso): pesquisa sociológica na qual o conhecimento praxiológico possa ser aplicado. Projetos promovidos por equipes multidisciplinares e detenham poder de consultar e de implementar ações conduzidas pelas necessidades coletivas a serem atendidas.




Edna Domenica Merola, tendo por referência Pedro Demo.
As 'falas' mencionadas no itens 2, assim como a busca das interseções do item 3 do slide supra têm a ver com "A Análise de Conteúdo [que] é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/
recepção (variáveis inferidas) destas mensagens." (BARDIN. 2004).

Uma análise de conteúdo deve seguir as seguintes fases:


BARDIN, 2004


BARDIN, 2004


BARDIN (2004. P. 80), informa quanto ao vocabulário do Horóscopo da Revista Elle (em Língua Francesa) que a análise da repetição das palavras-instrumento teve por parâmetro o Trésor de la  Langue Française.  E o que deveríamos usar nas pesquisas brasileiras?
DICA IMPORTANTE  PARA ANÁLISE DA REPETIÇÃO DAS PALAVRAS-INSTRUMENTO:
Para pesquisas no Brasil, pode-se consultar o Banco de Português que é um corpus monitor do português do Brasil, atualizado constantemente. Criado e mantido no âmbito do projeto DIRECT faz parte dos Bancos de Dados do CEPRIL, LAEL, PUC/SP. Vide:





REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70 LDA. 2004.
BOURDIEU, Pierre. Sociologia. São Paulo: Ática. 1994. Cap 2 Esboço de uma Teoria da Prática.
DEMO, Pedro.  Demarcação CientíficaIn: Metodologia Científica em Ciências Sociais. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.





domingo, 9 de março de 2014

A metáfora da Teia de Aranha e o Envelhecimento. Edna Domenica Merola

Edna
As aranhas têm se tornado símbolos comuns na arte e mitologia, simbolizando paciência, crueldade e criatividade. Já a teia de aranha é associada, no senso comum, ao abandono ou falta de limpeza numa moradia. No entanto, sempre podemos usar a criatividade e a paciência como antídotos naturais contra a crueldade do envelhecimento.

Em 07/3/2014, tive o grato  prazer de assistir a aula da Disciplina Metodologia Científica, ministrada pela Professora Maria Celina da Silva Crema, enquanto aluna regularmente matriculada de um curso de Especialização promovido pela UFSC, subvencionado pelo Ministério da Saúde, a saber: Atenção à Saúde da Pessoa Idosa.

Na referida aula, tive a oportunidade de lembrar a figura de Madre Teresa de Calcutá falecida em 1997, aos 87 anos de idade. Ela foi uma missionária católica de etnia albanesa e naturalizada indiana. Foi beatificada pela Igreja Católica em 2003.
A lembrança dessa heroína dos pobres poderia ter vindo em homenagem ao dia das mulheres, mas deu-se por meio da leitura do texto de Madre Teresa que segue: 

                   Tenha sempre em mente que a pele enruga,
                   O cabelo embranquece e os dias convertem-se em anos...
                   Mas o que é importante não muda.
                   A sua força e convicção não tem idade.
                   O seu espírito é como qualquer teia de aranha.
                   Atrás de cada linha de chegada há sempre uma de partida
                   Atrás de cada conquista, vem um novo desafio.
                   Enquanto estiver vivo, sinta-se vivo...
                   Se sentir saudades do que fazia, volte a fazer.
                   Não viva de fotografias amarelecidas...
                   Continue, quando todos esperam que desista.
                   Não deixe que enferruje o ferro que existe em você.
                   Quando não conseguir correr através dos anos, caminhe.
                   Quando não conseguir caminhar, use uma bengala...
                   Mas nunca se deixe deter... 

Durante a aula, lembrou-nos a professora Celina, que a leitura envolve, além da decodificação e da compreensão da mensagem, a assumpção de posicionamento crítico acerca do lido, da mensagem. (LUCKESI, 1985, p. 145).
Em casa, ponderei que me posicionar criticamente diante do sabor estético é extremamente prazeroso. E resolvi descrever como o experimentei.
O texto é poético: exorta para o despertar de emoções vigorosamente positivas.
No entanto, seu universo vocabular agrega as expressões negativas tais como: ‘pele enruga’, ‘cabelo embranquece’, ‘teia de aranha’, ‘linha de chegada’, ‘fotografias amarelecidas’, ‘esperam que desista’, ‘bengala’.
O manejo exortativo de Madre Teresa inicia pela conscientização da realidade da passagem do tempo para o ser humano. Para tal, desenha a velhice e o final da vida.
Prossegue em seu manejo e nos leva a visualizar uma teia de aranha, mas não do ângulo de quem deixou um canto de sua casa vazio e sem cuidado e ‘o perdeu’ para um ser repugnante como uma ‘aranha’.
A imagem poética construída por Madre Teresa nos mostra a teia como trabalho incessante da aranha... Trabalho que aparenta finalizar se olharmos as linhas retas que têm começo e fim...  Mas que é constante, ainda que seja leve e tênue... É provisório em seu sentido renovador, atualizador... Trabalho cujo produto é uma trama circular e inacabada... Uma trama apta a ser reconstruída perenemente.
Assim vi a construção do trabalho textual de Madre Teresa a que me reporto: tal qual o de uma aranha que mora sobre o fio que agora tece. E só posso dizer que textos assim não ficam amarelecidos nos fundos de ‘velhas’ gavetas.
Textos assim vivem aqui e agora na cumplicidade de seus leitores, em suas leituras ‘circulares’.

E se Pesquisássemos Todos Juntos? Edna Domenica Merola

          A socióloga Mônica Schiedler dedica-se ao estudo da gerontocultura há algumas décadas. No projeto Cine Debate agrega as contribuições da sétima arte aos estudos sobre cultura e gerontologia. Em 22/2/2014, tive o grato prazer de participar do Cine Debate, enquanto aluna regularmente matriculada de um curso de Especialização promovido pela UFSC, subvencionado pelo Ministério da Saúde, a saber: Atenção à Saúde da Pessoa Idosa.
         Stéphane Robelin é o diretor e roteirista de – E se vivêssemos todos juntos? –  França, 2010. O protagonista da história é um grupo: dois casais que vivem em suas respectivas residências e mais um amigo que mora sozinho. Os cinco visitam-se regularmente. No início da história, preservam seus hábitos de adultos, apesar da idade avançada.
         Claude (ator Claude Rich, hoje com 84 anos e na filmagem com 80 anos) mora só, mas tem um filho já maduro. A vida social de Claude se resume a encontros com mulheres profissionais do sexo, além das visitas aos amigos. Há quarenta anos, Claude teve casos secretos com as esposas dos amigos Jean (Guy Bedos, 79) e Albert (Pierre Richard, 79). São elas: Annie (atriz Geraldine Chaplin, 69) e Jeannie (Jane Fonda, 76).

         Jeannie foi professora universitária. É lúcida, inteligente, sociável, mas sofre de doença incurável e esconde sua ‘terminalidade’ do marido que é portador de transtorno de memória. Jeannie contrata um estrangeiro para levar o cachorro do casal para passear. O jovem alemão é pesquisador, tendo por foco a visão contemporânea do idoso. Seu orientador aconselha-o a realizar uma pesquisa de campo. Jeannie permite que ele passe a residir com eles. Jeannie cuida de pormenores de sua ‘terminalidade’ e de cerimônias de enterro e de adeus, com a cumplicidade de Dirk (Daniel Brühl, 35).
         O personagem Jean – ex - militante de esquerda e que viu na infância o pai ser morto pelos nazistas – sugere morarem juntos como nas comunidades hippies que existiram nos anos sessenta. Após o filho de Claude colocá-lo num asilo, o grupo resolve retirá-lo de lá e os amigos passam a morar juntos.
         Após a morte de Jeannie, o marido Albert sai às ruas para procurá-la, pois não se lembra de ter ido a seu enterro. Esquece que ela morreu, isto é, não consegue elaborar emocionalmente o ocorrido. O grupo de sobreviventes e o jovem pesquisador o acompanham. A cena mostra a técnica do duplo, utilizada em Psicodrama, quando o protagonista necessita de alguém que faça por (e com) ele o que não consegue fazer sozinho. Ou seja, Albert precisa de um egoauxiliar para prover o necessário para sua vivência que para ele se resume em elaborar a dolorosa perda da esposa e ego-auxiliar.

         As relações entre gerações mostradas no filme espelham vínculos familiares emocionalmente distantes. Há um único abraço ‘intergeracional’ e que acontece entre o jovem pesquisador e a idosa Jeannie (pesquisadora acadêmica aposentada) que coloca a questão: “– Por que não pensamos nos últimos anos?”
         Em Psicodrama, há modalidades de atendimento como terapia de casais e terapia de família. Essas práticas envolvem novas demandas de pesquisas sobre casais de idosos e famílias nucleares com membros idosos.
         O aumento demográfico e consequentemente da população idosa pode ter por foco o fenômeno social da longevidade como algo profícuo aos estudos das filosofias da natalidade tais como os de Hannah Arendt. Tal fenômeno poderá intensificar os estudos da Psicologia do Desenvolvimento e das Ciências Profiláticas da Saúde em geral, envolvendo grupos de sujeitos a partir de quarenta anos de vida. Vale intensificar os estudos iniciados por Vygotsky e explicativos de que a aprendizagem se circunscreve num processo histórico-cultural.
         Após a inauguração da Era Digital, os estudos do funcionamento cerebral e o mapeamento das áreas em suas funções comprovam a versatilidade do funcionamento cerebral. Estudos há que se reportam à inteligência emocional (Daniel Goleman), e às inteligências múltiplas (Howard Gardner), espelhando aquelas descobertas da neurologia. Esse estado de questão nos convida a afirmar que, enquanto o cérebro não morre (ou até que a última centelha se apague) estão abertas as possibilidades de aprendizagens e reaprendizagens.
         O desenvolvimento de pesquisas reverterá para o atendimento das demandas demográficas que pelas projeções estatísticas presentes terão seu auge em 2050, quando a porcentagem de maiores de 65 anos será maior do que a dos menores de 65.
         Aos jovens pesquisadores da década presente e às futuras gerações, a saber: das décadas de 20, 30 e 40 do século XXI, desejamos o sucesso que o personagem Dirk teve na trama do filme: E se vivêssemos todos juntos?
         Concluo a leitura do filme parodiando seu título – E se pesquisássemos todos juntos?– isto é, integrando os saberes e rompendo os casulos das amarras disciplinares e dos conceitos acadêmicos monológicos em suas defesas hegemônicas. Vale dizer, remontando a Edgar Morin: com uma metodologia de estudo que aponte para a religação dos saberes.