domingo, 27 de abril de 2014

Homem idoso: como prolongar a vida com qualidade? Edna Domenica Merola

Como aluna do Curso de Pós Graduação Latu Sensu em Atenção à Saúde da Pessoa Idosa (UFSC, NETI), a questão título: “Homem idoso: como prolongar a vida com qualidade?” Começou a me inquietar a partir da reflexão desencadeada pelo filme About Schmidt direcionado pelo contexto das aulas da disciplina Gerontologia I. O filme menciona dado estatístico estadunidense que vale para a realidade brasileira, a saber: um aposentado, com 66 anos, ao ficar viúvo apresenta 73% de chance de morrer nos próximos 9 anos.
Quanto às indagações sobre o quadro da saúde do homem idoso brasileiro, tive o privilégio de assistir a aula síntese avaliativa da disciplina Envelhecimento Demográfico e Epidemiológico. O trabalho seguiu etapas de elaboração prescritas pela Dra Eleonora d´Orsi: divisão da turma em grupos e escolha dentre os seguintes temas: taxas de internações por doenças cardiovasculares; taxas de mortalidade por suicídios; taxas de mortalidade por acidentes de trânsito; taxas de incidência de AIDS; taxas de incidência de tuberculose em idosos; taxas de mortalidade por demência; taxas de mortalidade por câncer de mama; taxas de mortalidade por câncer de próstata; taxas de internações por diabetes.
Após ouvir os trabalhos apresentados pelos colegas e as conduções de diálogos feitas pela professora Eleonora D´Orsi, pude fazer alguns registros sintéticos. Anotei que os homens idosos lutarão contra doenças cardiovasculares, diabetes, câncer de próstata. Eles estarão nos registros de maiores taxas de mortalidade por causas externas, principalmente, em regiões como o sudeste brasileiro, levando-se em conta a comparação com as taxas referentes às mulheres da mesma faixa etária.
As taxas femininas altas são as de câncer de mama. Há casos masculinos desse tipo de câncer em homens, cujas estatísticas felizmente não elegeram o tema como relevante. Já a questão do câncer de próstata é sem dúvida muito relevante para a saúde do idoso do gênero masculino.
Comparando-se por gênero, as mulheres só superam os homens nas taxas de mortalidade por demência.
De todas as análises feitas fica como decisivo para a saúde da pessoa idosa a necessidade de ampliar os investimentos alocados nas práticas preventivas. O ano de 2007, no Brasil, foi apontado como data de alteração importante no quadro das demandas em saúde, ano coincidente com campanha voltada para a saúde do homem.
Concluo que as práticas preventivas devem transcender os espaços específicos para atendimento em saúde e ocupar espaços 'cidadãos' que fortaleçam parcerias em benefício da melhoria da qualidade de vida. O olhar cidadão sobre o replanejamento urbano, o transporte coletivo; o acesso, a expansão e agilização da prestação dos serviços em saúde deve ter o viés do olhar do beneficiário idoso, uma vez que, em 2050 a maior parte da população brasileira será idosa.
Acrescento o lembrete de que a Lei 10741/2003 é a normatização específica sobre as garantias de “opinião e expressão” das pessoas com sessenta anos ou mais; do “respeito” “por um envelhecimento saudável” com “todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. O cumprimento de seu artigo 116 “Serão incluídos nos censos demográficos dados relativos à população idosa do País”       –  tem sido algo relevante para a elaboração das pesquisas científicas da área da Saúde sobre idosos brasileiros.

REFERÊNCIAS

GODTSFRIEDT, Maria Cecília Antonia. Aulas proferidas de 22 fevereiro a 25 abril de 2014. CCS. UFSC.
ORSI, Eleonora. Aulas proferidas de 22 fevereiro a 26 abril de 2014. CCS. UFSC.

SIENDLER, Mônica Joesting. Aulas proferidas de 22 fevereiro a 25 abril de 2014. CCS. UFSC.

sábado, 26 de abril de 2014

CARTAS PARA NDUGU, POR UM HOMEM IDOSO ESTADUNIDENSE.Edna Domenica Merola.

Em fevereiro de 2014, tive o grato mérito de ser aceita como aluna regularmente matriculada de um curso de Especialização promovido pela UFSC, subvencionado pelo Ministério da Saúde, a saber: Atenção à Saúde da Pessoa Idosa. A disciplina Gerontologia I foi ministrada por Maria Cecília Antonia e Mônica Schiedler. Por meio de atividades da disciplina, pude refletir sobre as contribuições da sétima arte nos estudos sobre cultura e gerontologia, como ao tomar por caso o filme About Schmidt.
O contexto capitalista contemporâneo é o pano de fundo desse  filme. O modelo capitalista fez do trabalho “um dever moral e social”. O desemprego ou a aposentadoria podem provocar sentimentos de culpa e vergonha, pois independentemente da idade, as pessoas são tidas como mão de obra ativa ou inativa.
Parte integrante do cenário do filme é aquela relativa aos Direitos Humanos e aspectos inerentes à reflexão na área da Antropologia, particularmente o “universalismo e relativismo”. De universal: morte. De relativo: quando se dá o envelhecimento e sob quais condições.
O filme About Schmidt: começa com a festa de aposentadoria de Waren o protagonista. E termina com a compreensão que o personagem consegue alcançar sobre a finitude da pessoa humana em grande parte por efeito das cartas – em formato de diário – que ele escreve para Ndugu: órfão de 6 anos de idade que vive numa instituição de caridade religiosa.
O enredo do filme tem por fatos sequenciais a aposentadoria de Waren, seu cotidiano com a esposa‘velha’ que morre antes do casamento da filha única do casal. Uma vez viúvo, Waren deseja que a filha seja sua cuidadora no período de luto, adiando ou desistindo do casamento. Ela não faz essa concessão e o casamento se realiza, com a presença de Waren.
O filme apresenta cenas recorrentes sobre o casamento americano, assim como cenas caricaturais sobre as relações familiares e entre amigos. Outra caricatura importante é o convívio de quem tem maior poder de compra com quem não tem, já que os amigos e familiares do noivo pertencem a um meio sócio econômico inferior aos da noiva. A justificativa dada para a escolha dela é preconceituosa: a de que ao se casar tarde deve se conformar em casar ‘abaixo’.
Esteticamente observando, as cenas recorrentes mencionadas só se sustentam por mérito da exuberância expressiva do ator Jack Nicholson que interpreta o protagonista.
O culto ao individualismo e à época da vida em que a composição familiar era a do tipo “pai, mãe e filha pequena” são marcas fortes no retrato do protagonista. O convívio social registrado é o de casais mais idosos que não moram com os filhos e que cultivam amizades com outros casais de sua idade. Esse esquema de agregar exclui o homem‘solitário’.
A trama tem por pano de fundo a sociedade americana: talhada sob encomenda para o homem adulto bem sucedido no exercício de sua profissão e de chefe de família – cidadão que consegue amealhar o suficiente para viver com conforto e lazer os anos após a aposentadoria. Essa mesma sociedade que exclui dentre outros: os aposentados, os pobres e os inaptos.
Entre a primeira cena (festa de aposentadoria de Waren) e a última (‘insight’ sobre a finitude humana) vejamos o que o filme acrescenta à nossa compreensão sobre aspectos psicológicos e comportamentais de um personagem masculino de 66 anos (Waren).
Desde o discurso do colega de Waren em sua homenagem, na festa de aposentadoria, depreendemos que ela simboliza o término da utilidade profissional para o protagonista. O colega menciona que o seguro social, os presentes recebidos ou a própria festa não têm significado. Menciona que a maior riqueza é o sentimento de que uma etapa foi cumprida. A esposa de Waren tenta quebrar a rotina servindo o café da manhã no trailler que compraram, sendo que ela escolhera o melhor veículo, contribuindo com seu próprio dinheiro. No entanto, Waren ainda não consegue estabelecer uma rotina prazerosa longe do trabalho.
O término da utilidade profissional é confirmado pelo funcionário que assumiu o posto de Waren, que o despede após breve conversa, olhando para o relógio. Waren pensa em ter uma nova utilidade social: ajudar uma criança: Ndugu. As organizadoras da instituição abrem a possibilidade do ‘padrinho’ poder trocar cartas com a criança. Waren escreve longas cartas como se fosse para outro adulto. Na primeira carta Waren, queixa-se do casamento desgastado e do envelhecimento da esposa.
O filme aborda a questão de gênero e envelhecimento, mostrando casais nos quais os homens aparentam ser mais ‘simpáticos’ e mais ‘jovens’ do que suas esposas. No entanto, a mulher de Waren mantém suas funções de dona de casa até o final da vida dela. A aposentadoria do marido só alteraria sua vida se ele, ao se aposentar, fosse companhia para maiores oportunidades de lazer como a compra de um ônibus do tipo ‘trailler’ poderia proporcionar.
Na segunda carta para Ndugu, Waren narra a morte da esposa e o que isso significa para sua expectativa de vida. Como antigo empresário do ramo de comercialização de seguros de vida, explica que o cálculo engloba: idade, raça, profissão, estado civil. Aposentado, com 66 anos, ao ficar viúvo apresenta 73% de chance de morrer nos próximos 9 anos.
Após tentar se livrar da memória da esposa burlando as regras que ela impunha durante o relacionamento consegue expressar sua saudade autêntica pela esposa falecida. Desta forma, na terceira carta para Ndugu, War escreve sobre outra compreensão importante que alcança: “você tem de apreciar aquilo que tem”.
O filme About Schmidt poderia ter por título Cartas para Ndugu, um menino que ainda não sabia ler, mas a quem explicaram que aqueles papéis escritos vinham com notícias de alguém que o ajudava. Irmã Nadine responde a última carta, enviando um desenho feito por Ndugu que retrata uma criança e um adulto. Eles estão ligados por meio de um fio ou de seus próprios braços. Só então Waren percebe que o menino reconhecia a existência de um vínculo entre ambos. O desenho feito por Ndugu faz com que War consiga chorar, isto é, provoca a catarse e consequentemente o ‘insight’ expresso na frase: “quando quem me conheceu também tiver morrido, acabará Waren Schmidt”. A frase é poética e expressa a vitória de um indivíduo que pôde escalar sozinho o sopé de uma montanha que se chama finitude humana.
Portanto, as cartas para Ndugu simbolizam a oportunidade de praticarmos o exercício de introspecção pela expressão escrita ou outro recurso adequado à busca de sentidos para nossas vidas. Esse exercício é oportuno para todas as gerações e pode ser otimizado pelo diálogo intergeracional.
O filme About Schmidt poderia ter por título Aposentadoria e Viuvez do Herói Americano. Os valores de Schmidt são postos em cheque de forma aguda só após a morte da esposa que era o egoauxiliar de seu saber viver, reforçando uma postura individualista que se enxerga e se valoriza pelo viés do pertencimento à classe dos bem-sucedidos. Só então o protagonista percebe que há outros times em campo, além do time vencedor. Percebe o outro lado das relações de forma a poder conviver com realidades e opiniões opostas às suas.
Para quem gosta de estatísticas e pensa que planejar o futuro é mais importante do que ser feliz aqui e agora, as descobertas existenciais de Schmidt lhe facultaram imaginar uma maior expectativa de vida. Superar a viuvez significaria aumentar de 9 para 20 a sobrevida, após a idade de 66 anos, numa região próspera dos Estados Unidos, nas condições financeiras do protagonista.
Para quem é mais realista ficará forte a imagem cênica da volta da viagem em que o protagonista sozinho abre a porta de sua casa e encontra uma desorganização total que deverá ser administrada exclusivamente por ele, sem contar com nenhum auxílio externo... Seu próprio espaço existencial materializado, ou seja, o de ser o único membro a ocupar o domicílio.
No contexto cultural representado no filme, a família ampliada se reúne no Natal ou férias de inverno e no dia de Ação de Graças. Já no Brasil o ‘caso’ do filme encaixa-se para uma pequena, mas crescente parcela da população: a de pessoas idosas que vivem sós.
PAULO, M. A.; WAJNMAN , S. ; OLIVEIRA, A. M. C. realizaram um estudo em Belo Horizonte – MG, Brasil: A relação entre renda e composição domiciliar dos idosos no Brasil: um estudo sobre o impacto do recebimento do Beneficio de Prestação Continuada (BPC).
As autoras partem dos pressupostos de outros pesquisadores que citam em seu artigo:
"Entre os determinantes dos arranjos domiciliares dos idosos, a renda tem papel de grande          destaque (CAMARGOS et al., 2007; SAAD, 2000; GHOSH, 2007; MARTELETO, 2007), sendo que duas possibilidades são apontadas na literatura: o recebimento de uma renda pode, por um lado, estimular os idosos a buscarem independência, optando por morarem sozinhos. (COSTA, 1999; MCGARRY; SCHOENI, 1998; CARVALHO, 2000) e, por outro, principalmente em situações de pobreza, atrair familiares interessados em compartilhar desses          benefícios, aumentando a probabilidade da coabitação (EDMONDS et al., 2005; SAAD, 2000; AMARANO, 2003; CIOFFI, 1998)."
Segundo o contido no artigo, em 2005, o número de homens idosos que reside sozinho saltou de 1,3 para 9,2 %. Obviamente, o impacto do benefício de Prestação Continuada (B.P.C.) foi maior para a mulher que saltou de 1,1 % para 18%, confirmando o que o filme mostra sobre as diferenças de gênero perante residir sozinho.
Ainda segundo outro trecho do artigo já mencionado: "Engelhardt et al. (2005), utilizando mudanças legislativas nos benefícios previdenciários de seguridade social dos EUA, constataram que reduções no beneficio tiveram impacto significativo, no sentindo de fazer migrar os idosos que viviam em arranjos domiciliares independentes para arranjos com mais pessoas." 
Tal citação corrobora o que é registrado no filme em relação aos valores e modus vivendi do personagem Waren (viúvo) versus os de Roberta (divorciada), que em linhas gerais foram delineados a partir de suas diferenças de situação econômica. 

Estatuto do Idoso (Brasileiro) numa resenha narrativa. Edna Domenica Merola

Após seu título, deve constar numa resenha: a referência bibliográfica da obra, alguns dados biográficos do autor da obra resenhada, o resumo, ou síntese do conteúdo, a avaliação crítica: apontando os aspectos positivos e negativos.
Como referência bibliográfica da Lei 10741/2003 consultada: livreto impresso pelo Conselho Estadual do Idoso (Estado de Santa Catarina), DIOESC, 2013.
O texto da obra é assinado pelo Presidente da República à época em que a Lei foi promulgada, por tratar-se de legislação Federal. O Presidente, como chefe do Executivo não é obviamente autor de leis, mas, infelizmente, o texto não foi precedido de consulta popular, sendo de responsabilidade do Poder Legislativo.
Um estatuto é um documento legal: “uma disposição oficial com que se explica e se regula a execução de uma lei ou decreto”; "regulamento". (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa http://www.priberam.pt/dlpo/regulamento). 
Explanar sobre um estatuto implica em situá-lo em legislações ‘maiores’. A Constituição Federal (1988) trouxe a legalização de mudanças fundamentais da família brasileira, entretanto a mudança do Código Civil só aconteceu em 2002, entrando em vigor em 2003. Ora, o Código Civil agrupa de forma sistemática as normas concernentes às relações jurídicas de ordem privada, inclusive das obrigações e direitos decorrentes das relações familiares.
O Estatuto do Idoso (2003) também refere às obrigações decorrentes das relações familiares. O Estatuto também é tardio, ou seja, entrou em vigor 15 anos após a última Constituição Brasileira (1988).
A Lei 10741/2003 é a normatização específica sobre as garantias de “opinião e expressão” das pessoas com sessenta anos ou mais; do “respeito” “por um envelhecimento saudável” com “todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. Portanto, o texto a ser resenhado pertence à área da jurisprudência.
Uma resenha é um texto de informação e de opinião, portanto, dissertativo. Por ser um resumo crítico, exige que o resenhista seja um especialista, uma vez que avalia a obra, julgando-a criticamente. No entanto, não sou sequer bacharel nessa área de saber tão específico e profundo. Insistirei que além de leiga, encaixo-me na faixa etária a que alude o documento legal o que acarreta mais um viés de leitura no sentido de confundir texto legal com implementação das políticas enunciadas.
Os riscos dos vieses aludidos estimularam a imaginação e a criação de uma hilária escolha metodológica tal como a de analisar a referida lei ou estatuto do idoso farejando-o, isto é pondo em uso o ancestral instinto de quem exercita a sobrevivência, a princípio, pela caça. Essa metodologia de análise ‘primitiva e ancestral’ por um lado, é ‘inusitada ou nova’ por outro, no campo acadêmico. A defesa dessa escolha propõe que seria exaustivo um minucioso exame analítico pautado nos saberes da jurisprudência.
Utilizando tal metodologia de interpretação de texto, abandona-se a escrita dissertativa e acata-se a narrativa. Faz-se necessária a criação de personagem verossímil, ainda que não verdadeiro. Em defesa do adotado, pleiteia-se que Jung descreveu quatro funções psicológicas fundamentais: sensação, pensamento, sentimento e intuição. E uma dessas prepondera num indivíduo com apoio de outra. 
Construir-se-á aqui uma personagem intuitiva. Personagens fortemente intuitivos dão significado às suas percepções com tamanha rapidez que, via de regra, não conseguem separar suas interpretações conscientes dos dados sensoriais brutos obtidos. Os intuitivos processam informação muito depressa e relacionam, de forma automática, a experiência passada com as informações relevantes da experiência imediata. (GJ Ballone. Site http://www.psiqweb.med.br). 
A personagem inventada funciona prioritariamente pela Intuição, mas apoia-se, na função psicológica Sensação para narrar sua aventura como leitora do texto. Essa personagem leitora irá fuçar na Lei número 10741/2003. A leitora farejará algumas palavras do texto Estatuto do Idoso guiada pelos próprios apetites e gostos. 
A primeira lata eleita para ser farejada: o capítulo V do título II (Direitos Fundamentais). Essa lata foi virada para degustar o texto legal sobre os direitos à Educação e Cultura: alimentos preferidos da personagem farejadora que toca o universo vocabular que refere a cursos para idosos: “técnicas de comunicação”, “computação”, “avanços tecnológicos”. Já sobre os currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal (destinados, portanto, a não idosos): “eliminar preconceito”, “produzir conhecimento”. Já sobre os meios de comunicação: “manterão espaços ou horários especiais” (como para as crianças?). 
Triste lata essa a do capítulo V do título II... O mundo que acontece de verdade (tanto tecnológico como a produção do conhecimento em geral) é dos adultos jovens. Para os maiores de 60 anos resta a participação como ‘memória’ da realidade passada em espaços pontuais como “comemorações de caráter cívico ou cultural”. 
A leitora farejadora resolveu voltar para o início do texto, pois deveria ter perdido o faro. Ah! O artigo 3º do parágrafo VII: “Estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento.” Mas para quem já havia lido o que vem depois sabe-se que o público alvo a usufruir desses mecanismos de divulgação são as pessoas que cuidam dos idosos dependentes. Isso implica em garantia de direitos, mas omite ações voltadas para a melhoria da qualidade de vida do idoso em seu dia a dia. Ex.: mecanismos voltados para a autoestima, combate ao estresse e ação social legítima (e não como terapia ocupacional).
Ora, sabemos que educação é um processo que implica em mediações, demanda interferências frequentes, em espaços para refletir sobre a realidade atual e nela atuar.   E para aprender novas ciências não estritamente tecnológicas? O artigo 25 responde que – “O Poder Público apoiará a criação da universidade aberta para as pessoas idosas”–. Do que destaco o teor abstrato da expressão “Poder Público”, pois não se discrimina uma instância específica. Destaco ainda um verbo no futuro “apoiará”, sem nenhum advérbio ou expressão que descreva as circunstâncias (Quando? Onde?) nas quais se dará esse apoio futuro.
A personagem leitora do Estatuto do Idoso seguiu farejando (com o rabo entre as pernas) e não virou mais nenhuma lata... Mas usou o olfato aqui e ali... 
– A relação entre as gerações cheirava a porta de cadeia para uns e asilo para outros... – disse a personagem farejadora.
Era esse o odor que ela dizia exalar do texto que descrevia um idoso que, segundo ela, envelhece: precocemente, abandonado e pobre. Um estatuto que descreve um Estado que não se omite em matéria de vigiar ou punir para tentar prover comida, remédio e moradia para o idoso, mas que se omite quanto aos insumos para as pesquisas sobre a melhoria da qualidade de vida específicas da população idosa que cresce em contingente e em novas demandas. 
Ao final a personagem farejadora percebeu que o autor do ‘texto’ legal’ tinha um aroma verdejante: um cheiro elegante e sofisticado. Seu autor era eternamente jovem. A farejadora concluiu que, no universo do texto, idoso é o outro (e não seu autor no futuro). Isso cheirava desconfiança sobre o artigo 118 que dizia “Esta Lei” de “1º de outubro de 2003” “entra em vigor decorridos 90 (noventa) dias”. 
Ao término do trabalho de farejar executado pela personagem farejadora/leitora, a aluna do Curso Atenção à Saúde da Pessoa Idosa – Edna Domenica Merola – despediu-se dela. Constrangida por ter-lhe atribuído o trabalho pesado quis dar-lhe alguma recompensa: 
– Leve com você o artigo 116 “Serão incluídos nos censos demográficos dados relativos à população idosa do País.” 
– Obrigada! Mas... Para quê? – perguntou a personagem farejadora.  
– Pautando-nos nos dados dos censos demográficos faremos projeções e produziremos respostas para o futuro...