A presente reflexão trata de uma tarefa acadêmica individual proposta no Curso
de Especialização em Atenção à Saúde da Pessoa Idosa feita pela Prof Karina S. A. Hammerschmidt. Em acato ao solicitado e para
abordar o tema enunciado delineou-se um caminho que percorre as vertentes:
ética, política e técnica. Para a última foram tomados itens do texto de Moraes
(2008) tais como: conceito e tipos de envelhecimento, diferença entre senescência
e senilidade; síndrome da fragilidade, doenças crônico-degenerativas;
constatação da necessidade de mecanismos eficazes de avaliação e de descrição das
condições de saúde da pessoa idosa para cuidá-la adequadamente. O protocolo de
Moraes comparece de forma esquemática para elucidar seu grau de detalhamento
diagnóstico.
A
reflexão que colocaremos sobre o tema partirá das questões: consideradas as
condições reais do atendimento prestado hoje ao idoso brasileiro, para que a avaliação
multidimensional? A ação cidadã que se atém às reivindicações das esferas
legisladoras seriam abrangentes das esferas política e ética?
Tomaremos
os pressupostos colhidos em Andrade para fundamentar a resposta à questão: por
que avaliar? Serão colhidos em Martins; Camarano e Camacho o necessário para
debater a aplicabilidade do protocolo de Moraes à luz do Estatuto do Idoso.
Para Moraes, o
envelhecimento é bem sucedido quando o organismo mantém todas as funções
fisiológicas de forma robusta, semelhante à idade adulta. No envelhecimento
usual, observa-se uma perda funcional lentamente progressiva, que não provoca
incapacidade, mas que traz alguma limitação à pessoa: trata-se de um processo
de senescência e não de senilidade.
Problemas
de saúde que não são suficientes para comprometer a cognição, o humor, a
mobilidade e a comunicação, garantem a independência e a autonomia. Do ponto de
vista psíquico, o envelhecimento pode permitir o autoconhecimento e a superação
dos conflitos. O envelhecimento do psiquismo ou amadurecimento não é inerente à
esfera natural, pois fatores culturais determinam em grande parte a conquista da
autonomia e da independência psíquicas.
Os efeitos da passagem do tempo podem ser positivos ou
negativos e são observados no organismo (envelhecimento biológico) e no psiquismo
(envelhecimento psíquico). O envelhecimento biológico caracteriza-se pela maior
vulnerabilidade às agressões do meio interno e externo, e, portanto, maior
suscetibilidade nos níveis celular tecidual e de órgãos/aparelhos/ sistemas.
O ser humano atinge o máximo das suas funções orgânicas
por volta dos 30 a 40 anos. Entre os 40 e 50 anos há uma estabilização e, a
partir daí, um declínio funcional progressivo, com a perda funcional global de
1% ao ano. Portanto, quanto maior a reserva funcional, menor será a repercussão
do declínio considerado fisiológico.
Podemos
encontrar idosos com alterações fisiológicas mais expressivas, o que
caracteriza a síndrome da fragilidade
ou frailty. Este tipo de envelhecimento é difícil de ser diferenciado do
envelhecimento patológico e deve-se a alterações fisiológicas mais acentuadas,
de causa desconhecida ou não diagnosticada. Os principais fatores de risco para a síndrome de fragilidade são
hereditariedade, sexo feminino, baixo nível socioeconômico, má nutrição,
sedentarismo, senescência, sarcopenia (perda muscular), anorexia e, obviamente,
a presença de múltiplas comorbidades ou doenças incapacitantes.
A
hereditariedade, os hábitos de vida e as doenças são os principais
determinantes das alterações moleculares causadoras da desregulação dos
sistemas homeostáticos, capazes de comprometer o funcionamento harmonioso do
organismo, gerando perda da autonomia e independência, hospitalização,
institucionalização e óbito.
Doenças que se
relacionam com a idade e que se associam com mais frequência ao envelhecimento
são chamadas doenças crônico-degenerativas, que podem ser agrupadas em
neurodegenerativas (Alzheimer e Parkinson), cardiodegenerativas (doença
arterial coronariana, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral),
osteodegenerativas (osteoporose, osteoartrose), entre outras.
Há doenças que
dependem da idade, aumentando sua incidência de forma exponencial à medida que
a idade aumenta: polimialgia reumática, artrite temporal, entre outras.
A passagem do tempo expõe o indivíduo a uma série de injúrias,
cujas consequências são percebidas na velhice, após décadas de exposição. As
injúrias ambientais (hábitos de vida) interagem continuamente com a “bagagem
genética” e as consequências biológicas são extremamente variáveis de indivíduo
a indivíduo.
Bem-estar
físico, psíquico e social corresponde à definição de saúde dada pela Organização Mundial de Saúde. Bem-estar e funcionalidade são equivalentes,
implicando em: autonomia e independência. Autonomia significa capacidade de
decisão e comando sobre as ações individuais, estabelecendo e seguindo as
próprias regras. Independência é a capacidade de realizar algo com os próprios
meios. Funcionalidade é o produto da preservação da cognição, do humor, da
mobilidade e da comunicação.
Sobre a questão suscitada inicialmente em relação ao
porque da necessidade da avaliação multidimensional, tomamos para corroborar
Moraes a explicação dada por Andrade (2013) sobre a singularidade do processo
de envelhecimento individual. Os idosos diferem de acordo com a sua história de
vida, o seu grau de independência funcional e a demanda por serviços mais ou
menos específicos. Como um conjunto de fatores biológicos, físicos,
psicológicos e sociais, o envelhecimento, nem sempre atua de maneira
concorrente em todos os indivíduos, podendo até mesmo descaracterizar um
indivíduo de 70 anos como velho, ou até mesmo caracterizar outro aos 50 anos como
tal. Desse modo, o envelhecimento é antes um estado próprio do ser humano
idoso, que apresenta especificidades socioeconômicas, culturais, ambientais,
individuais e/ou coletivas segundo épocas e lugares e apresenta-se em cada ser
humano de modo singular e único.
O
protocolo de avaliação multidimensional de Moraes consiste de inúmeros itens.
Inicia pela identificação, e prossegue com a aferição da queixa principal
detalhada; revisão dos sistemas fisiológicos principais: geral, pele e anexos,
aparelho cardiovascular, aparelho respiratório, órgãos dos sentidos, aparelho
geniturinário, sistema musculoesquelético, aparelho digestivo, avaliação da
saúde bucal, sistema nervoso, exame neurológico, avaliação da funcionalidade
global: atividades básicas da vida diária, mobilidade (avaliação quantitativa e
qualitativa da marcha e do equilíbrio).
O
protocolo inclui ainda teste de cognição (mini Mental), Memória (lista de
palavras do CERAD); frontal Assessment Battery (FAB), Teste do Relógio, Teste
de reconhecimento de figuras (percepção visual, nomeação, memória imediata,
evocação, reconhecimento), fluência verbal, índice de Pfeffer (atividades da
vida diária), humor, Clinical Dementia Rating – CDR – (memória, orientação,
julgamento e resolução de problemas, AVDis ou assuntos comunitários, AVDis
domiciliares (tarefas domésticas e passatempo), AVDs básicas, formulário de
miniavaliação nutricional, história pessoal e pregressa, diagnósticos
anteriores relatados (cardiovasculares, doenças respiratórias, doenças
endócrino-metabólicas, doenças neuropsiquiátricas), história familiar positiva
de doenças: cardiovascular prematura, hipertensão arterial sistêmica, diabetes
mellitus tipo II, doença tireoidiana, câncer (cólon, mama e próstata),
osteoporose/fratura de fragilidade, depressão, demência.
O
protocolo de Moraes inclui também a avaliação sócio-familiar, o risco
psicossocial na esfera familiar, a área profissional, a área
social/atividades/interesses e a autoavaliação da saúde.
O
protocolo abrange ainda a avaliação do cuidador, a avaliação ambiental. Propõe
exames complementares para o rastreamento de câncer, doenças
endócrino-metabólicas, função renal, radiologia/outros, densiometria óssea,
hemograma. Propõe o cálculo das estimativas gerais do Risco de Framingham,
assim como o estabelecimento dos diagnósticos principais e do diagnóstico
funcional.
O
protocolo de Moraes traça um Plano de Cuidados, ou seja, estabelece estratégias
de promoção de saúde e de prevenção de doenças, tratamento e reabilitação.
Finaliza com o registro de observações finais.
Ao
pensar na aplicabilidade do modelo preconizado por Moraes como rotina em projetos
públicos, deve-se pensar em metas hierarquizadas em longo prazo (planos
decenais), médio (planos quinquenais), e curto prazo (planos bienais).
Camarano
(2013) sugere que o limite inferior da idade apontado no estatuto do Idoso
passe de 60 para 65 anos. A autora indica ainda que sejam estabelecidas fontes
de financiamento para cada medida proposta no Estatuto do Idoso. Quanto às
dotações orçamentárias, se houver uma consulta pública essa proposta terá plena
anuência da população idosa. No entanto, em relação à mudança do limite
inferior parece não ser importante para a melhoria do quadro nacional por desviar
a atenção e os esforços cidadãos para a instância legisladora, quando há
premência de que os olhares se dirijam para as instâncias executoras.
Martins
e outros (2007) ressaltam a importância da capacitação dos profissionais da
saúde para o cuidado gerontogeriátrico seguro, ético e eficaz, conforme aponta
o art. 18 do Estatuto do Idoso. A capacitação dos profissionais da saúde – ainda
incipiente – é de suma importância.
O
protocolo de Moraes é aplicável desde que realizado por equipe multidisciplinar
capacitada para realizar seus diagnósticos detalhados e concretizar – em tempo
hábil e com qualidade – o plano de cuidados deles decorrente.
Em
7,7% dos estudos considerados
relevantes por Camacho (2008) ressaltou-se a importância da
ampliação de estratégias que tenham o cuidador como sujeito principal, cabendo
ao profissional de saúde e às políticas públicas valorizarem a rede de suporte
ao idoso dependente. O cuidador do idoso é importante para a sequência do
cuidado no domicílio. Existe a necessidade de programas voltados para tentar
garantir que a atividade do cuidado seja efetiva e investida através de
práticas adequadas, trazendo benefícios para quem cuida e quem recebe esse
cuidado.
Segundo Ritt (2008), em meados do século XXI, teremos a
inversão da pirâmide social no que diz respeito à idade. Haverá mais idosos do
que jovens habitando nosso país. Desta feita, “tratar, proteger o idoso contra
a violência doméstica e familiar está ligado diretamente ao interesse público
[...]: o de implementar as políticas públicas” (prioritariamente via Conselhos
Municipais) e que incluam programas voltados para a repressão da violência
doméstica e familiar. A repressão ‘da letra da lei é um mecanismo social
necessário, mas que se mostra ineficaz, na prática. Há necessidade de mudar paradigmas para que comportamentos
positivos sejam incorporados aos padrões relacionais intergeracionais. Desta
feita, usar testes para avaliar se a pessoa idosa é agressiva ou acha-se
deprimida deve ser concomitante à análise e interferência nas relações sócio-culturais
em geral e familiares, em particular.
Maltempi
(2006) relata a prática de formar grupos intergeracionais de convivência para utilizar
as diferenças em favor dos membros do grupo e de toda a sociedade. Tem por meta
a transformação da realidade à sua volta, a partir da percepção dos
significados do contexto ambiental, de modo a re-significá-lo. Ressalta que a
adesão de uma causa social por jovens propicia o resgate de valores, tais como
a solidariedade, a utilidade, a igualdade e a compreensão de seu espaços e
metas de vida.
Em
consonância com Camarano (2013), ressalta-se a importância da definição de
prioridades orçamentárias para a saúde do idoso. Principalmente, relativas a
setores a que o cidadão idoso tem acesso e nos quais poderia ocorrer a
avaliação multidimensional e outras formas de pesquisa/ação em relação a sua
saúde.
Seja
qual for o limite inferior de idade a determinar legalmente o trato do cidadão
enquanto idoso, aponta-se ainda a necessidade de priorizar o destino de verbas
para pesquisa científica sobre cuidados preventivos de saúde dos pré-idosos. E
ainda de fazer chegar esses saberes à orientação dos hábitos dos pré-idosos e
idosos (quer por via de seus cuidadores que os monitorem quer por si mesmos, se
autônomos).
Sugerimos
a pesquisa/ação preventiva como forma de avaliar multidimensionalmente a saúde
da pessoa idosa, incluindo a figura do educador nas equipes multiprofissionais
de ações pró saúde, ampliando o módulo de profissionais existentes. A formação
acadêmica mínima exigida para esses educadores deveria ser licenciatura em
Pedagogia, Ciências, Educação Física como forma de reforçar as equipes
multiprofissionais em ações cidadãs e pró-cuidado à saúde da pessoa idosa.
REFERÊNCIAS
CAMARANO, Ana Amélia. Estatuto do Idoso: avanços com
contradições. TD1840. IPEA. Rio de Janeiro: 2013.
ANDRADE L. M.; SENA, E. L. da S.; PINHEIRO, G. M. L.;
MEIRA, E. C.;
LIRA, L. S. S. P. Ciência e saúde
coletiva vol.18 no. 12 Rio de Janeiro Dec. 2013
CHIER, Jordelina. NETIATIVAS entrevistam a
coordenadora do N.E.T.I.
CAMACHO,
A. C. L. F., COELHO, M. J. Políticas públicas para a saúde do idoso: revisão
sistemática. Revista Brasileira de Enfermagem REBEN. 2010.
MALTEMPI,
Maria Ângela Cabanilha de Souza. COEDUCAÇÃO: UMA PROPOSTA INTERGERACIONAL. ETIC - Encontro de iniciação
científica - ISSN 21-76-8498, Vol. 2, No. 2 (2006).
MARTINS, J.J.; SCHIER, J.; ERDMANN,A.L.;
Albuquerque, G.L. Políticas públicas de atenção à saúde do idoso: reflexão
acerca da capacitação dos profissionais da saúde para o cuidado com o idoso.
Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v.10 n.3 Rio de
Janeiro. 2007.
MORAES.
Edgar Nunes de. Processo de Envelhecimento e bases da avaliação
multidimensional do idoso. In: Envelhecimento e saúde da pessoa Idosa. Fiocruz. 2008. http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/txt_215591311.pdf.
RITT,
Caroline e RITT, Eduardo. O Estatuto do Idoso – Aspectos Criminológicos e
Penais. Florianópolis: Livraria do Advogado. 2008.
http://redeidosos.blogspot.com.br/2014/08/resumo-do-livro-o-estatuto-do-idoso.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário